•Alimentos ultraprocessados (UPFs, do inglês “ultra-processed foods”) são produtos alimentícios altamente industrializados, que combinam ingredientes refinados, aditivos, substâncias sintetizadas, aromas, corantes etc. Eles geralmente são pobres em fibras, vitaminas e minerais, mas ricos em gorduras saturadas, açúcares simples e sal.
•No campo da saúde mental e do desenvolvimento neurológico, há um crescente interesse em entender como a dieta — e especialmente o consumo de ultraprocessados — pode afetar o funcionamento cerebral, a regulação emocional e sintomas comportamentais como os observados no TDAH.
•O TDAH é um transtorno neurodesenvolvimental caracterizado por desatenção, impulsividade e/ou hiperatividade. Embora existam fatores genéticos fortíssimos, também há investigação sobre influências ambientais (como dieta) que poderiam modular a expressão ou gravidade dos sintomas.
Evidências científicas que apontam associação
Aqui vão alguns dos achados mais relevantes:
1.Associação entre padrões alimentares ultraprocessados e risco de TDAH
•Um estudo observacional encontrou que padrões alimentares “processed food–sweets” (ricos em alimentos ultraprocessados e doces) estavam associados a um risco maior de diagnóstico de TDAH (OR = 1,451; intervalo de confiança 1,041–2,085) após ajustar variáveis de confusão.
•Em outro trabalho, crianças com TDAH consumiam mais alimentos processados, carnes processadas e lanches do que crianças sem o transtorno.
•Uma revisão narrativa brasileira intitulada “O processo alimentar e sua relação com o TDAH infantojuvenil” aponta que dietas ricas em ultraprocessados, açúcares e aditivos químicos estão associadas ao agravamento dos sintomas de hiperatividade, desatenção e impulsividade.
2.Mecanismos biológicos propostos
•Inflamação e microbiota intestinal: alimentos ultraprocessados podem modular a microbiota intestinal, aumentar a permeabilidade intestinal e promover estados pró-inflamatórios que, por sua vez, poderiam afetar o cérebro (via eixo intestino-cérebro).
•Deficiência de nutrientes essenciais: UPFs têm baixa densidade nutricional e podem “competir” com alimentos nutritivos. Muitos estudos sugerem que quem tem TDAH tende a apresentar menores níveis de nutrientes importantes como ômega-3 (DHA/EPA), ferro, zinco e magnésio, os quais são importantes para funções cerebrais.
•Estresse oxidativo / disfunção mitocondrial: alguns modelos teóricos sugerem que dietas pobres em antioxidantes podem facilitar danos oxidativos no cérebro, o que poderia piorar deficiência de atenção e autorregulação.
•Exposição a aditivos, corantes, conservantes: alguns trabalhos levantam que corantes artificiais e componentes aditivos poderiam atuar como “gatilhos” ou ampliar a sensibilidade em algumas crianças — embora não haja consenso forte ainda.
•Epigenética / efeitos pré-natais: há hipóteses de que dietas maternas ricas em ultraprocessados durante a gravidez poderiam modular a expressão gênica e predispor alterações no desenvolvimento neurológico, aumentando o risco de TDAH.
3.Estudos de intervenção e dietas de eliminação
•Algumas intervenções clínicas já experimentaram dietas restritivas (excluindo corantes, aditivos, alimentos ultraprocessados) e observaram melhora de sintomas em parte das crianças participantes. Um tipo conhecido é a dieta “few-foods” (com alimentos muito limitados e reintrodução gradual). Em alguns estudos, cerca de 60% das crianças mostraram redução dos sintomas com essa abordagem restrita.
•Porém, é importante destacar que essas intervenções são bastante rigorosas e nem sempre práticas de longo prazo. Além disso, nem todos respondem positivamente.
4.Limitações e cautelas
•Associação ≠ causalidade: muitos estudos são observacionais, o que significa que não provam que os ultraprocessados causam TDAH — apenas que há correlações.
•Variáveis de confusão: fatores como nível socioeconômico, estilo de vida (atividade física, sono, estresse, tempo de tela) e até predisposição genética podem confundir as relações encontradas. Alguns estudos já alertam que nem sempre isso é bem controlado.
•Heterogeneidade de resultados: nem todos os estudos encontram associações fortes e consistentes. Há divergências, seja por diferenças metodológicas, tamanho de amostra, ou critérios de diagnóstico. •Sustentabilidade das mudanças dietéticas: dietas muito restritivas podem ser difíceis de manter e têm risco de deficiências nutricionais se mal planejadas.
Embora ainda não haja prova definitiva de que os alimentos ultraprocessados causem TDAH, há um corpo crescente de evidências que sugere:
•Que dietas com alto consumo de ultraprocessados estão associadas a uma maior presença ou gravidade de sintomas de TDAH (hiperatividade, desatenção, impulsividade).
•Que mecanismos plausíveis (inflamação, microbiota, deficiência nutricional, exposição a aditivos) podem mediar essa associação.
•Que intervenções com redução de ultraprocessados e adoção de alimentos mais naturais podem trazer benefícios, pelo menos para algumas pessoas.
Para pessoas com TDAH ou cuidadores, isso sugere que a alimentação pode ser uma peça importante de suporte, junto com medicações, terapias comportamentais e ajustes no estilo de vida.


